#57 - Como usar a imaginação para vender
Se me pedissem para criar uma lista de 3 livros não-óbvios de copywriting (ou marketing, vá lá), certamente incluiria no bojo o pequenino livro de capa azul de Olavo de Carvalho, Aristóteles em Nova Perspectiva.
Antes que as pedras me atinjam — vindas tanto daqueles que amam quanto odeiam o filósofo — devo confessar que os motivos de minha escolha não são nem respaldados cientificamente, nem comprovados por minhas experiências empíricas.
Estão mais próximos de um feeling ou de um insight — é o que diríamos se estivéssemos em uma agência cool de marketing digital. Ou então de uma forma de pensar que, quando entendida, pode mudar profundamente a forma como você pensa em suas peças de comunicação.
Ou não.
Para tentar explicar o que fervilha em minha mente, vou pedir auxílio a outros dois livros. Estes não estariam na minha lista de livros não-óbvios de copywriting, mas certamente estariam nas minhas mais efusivas indicações — como, de fato, um já está.
Estou falando de Domínio, do historiador Tom Holland, e de Quo Vadis, de Henryk Sienkiewicz.
Eu sei que você já deve estar revirando os olhos — e que muitos já devem ter desistido —, mas eu posso explicar.
Ao menos é o que espero fazer a seguir:
A silenciosa vitória do Cristianismo
Acredite, ainda vamos falar de copywriting. Mas, primeiro, preciso falar sobre o Cristianismo.
Quer dizer, preciso usar o Cristianismo como exemplo.
Como eu mencionei na edição #53 desta newsletter — Pode um homem casado ler O Senhor dos Anéis — uma das minhas leituras mais impactantes em 2024 foi o livro Domínio, do historiador britânico (e co-host do excelente podcast The Rest is History) Tom Holland (não confundir com o ator do homem-aranha).
Neste livro — que chamei de um grande livro apologético nesse tempo de desconfiança, Tom mostra como o pensamento cristão, seguindo a máxima de Nietszche “você só vence o que substitui”, obliterou completamente o sistema de crenças vigentes até então.
Valores que damos como certos hoje — e que consideramos intrínsecos à própria natureza humana — como a bondade, o perdão, a caridade, a compaixão, a humildade, eram completamente estranhos à sociedade romana da época dos Césares, marcada pela força, pela beleza e pelo poder.
E este é precisamente o ponto: estamos tão imersos em nossa própria realidade que mal somos capaz de imaginar outra.
Embora ouçamos (a até falemos) que vivemos em uma “sociedade pós-cristã”, a bem da verdade esta é uma grande mentira.
Ou talvez seja uma meia-verdade, apenas no sentido de que vivemos em uma “sociedade pós-religiosa”, mas que, em sua estrutura e em seus princípios, ainda é profundamente cristã.
Até mesmo a cultura woke tem sua origem no cristianismo — é um argumento que Tom Holland faz em “Domínio” e que eu recomendo vivamente que você leia.
Ou seja: podemos entender que o Cristianismo suplantou uma outra forma de viver, mas é difícil imaginar como isso aconteceu apenas com a história narrada pelo historiador.
É nesse ponto que voltamos nossa atenção para a segunda obra — e prometo que voltaremos ao Olavo depois disso.
A ilustração pelo romance
Imersos que estamos em toda a cultura tecnicista da “formação do imaginário”, essa tentativa de tratar nossa mente como um gabinete de ideias a serem usadas em momentos adequados (normalmente envolvendo relacionamentos, status ou dinheiro), perdemos um pouco a noção da importância da ilustração.
Um bom livro infantil, por exemplo, é aquele que, além de uma bela história, apresenta ilustrações adequadas que facilitam o entendimento da obra pelos mais pequenos. As ilustrações são um recurso narrativo e pedagógico que usamos desde cedo na edução de nossos filhos.
Agora, por mais interessante que possa ser a proposta, um livro de história como Domínio não contém nenhuma ilustração. Tom Holland contorna esse fato contando, normalmente no começo dos capítulos, histórias e relatos curiosos que ilustram o que será discutido a seguir.
(Se você estiver atento, verá que a maioria das livros americanos de auto-ajuda seguem esse padrão.)
E por mais que essas histórias sejam úteis para entender o texto (e o contexto) do livro, de forma alguma elas são suficientes. Mais do que tudo, são migalhas que o autor nos joga para que encontremos, por nossa própria vontade, o pão que irá nos saciar.
E nesse ponto específico — nessa relação entre a Roma dos césares e o Cristianismo nascente — que trago o livro Quo Vadis.
Trata-se de um romance histórico ambientado neste período singular da história humana: na época de Nero, quando Pedro e Paulo pregavam em Roma.
A história, como toda boa história humana, é uma história de desejo: o desejo de um cidadão patrício, Vinício, por uma jovem cristã, Lígia.
E a história de como esse desejo provoca no protagonista um interessante conflito: de um lado, sua vida como cidadão romano. Do outro, seu relutante desejo de se tornar cristão.
É no desenrolar desse conflito que a ilustração que falava se desenrola. Bastaram poucas páginas para entender que Quo Vadis era a ilustração que eu precisava para melhor entender Domínio.
Ou seja: Quo Vadis me abriu a imaginação e, por isso, os argumentos de Domínio agora tem mais espaço para agir.
É assim que voltamos à Olavo de Carvalho.
Os Quatro Discursos
Não pretendo, aqui, trazer uma explicação detalhada dos argumentos de Aristóteles em Nova Perspectiva, muito menos trazer argumentos contrários ou contestações à obras.
Esse não é o meu papel e existem pessoas muito mais talentosas capazes de tal feito.
Meu objetivo aqui é, antes de tudo, tentar explicar um insight que tive a partir de sua leitura — e um insight aplicado à minha área de atuação, o marketing.
Para tanto, vou apresentar o que considero ser suficiente para o pleno entendimento do texto e não espero, de maneira alguma, transmitir todos os conceitos ou exemplos presentes na obra.
Vamos lá:
Como em boa parte de seus livros e artigos, Olavo de Carvalho começa seu livro de maneira acachapante:
“Há embutida nas obras de Aristóteles uma ideia medular, que escapou à percepção de quase todos os seus leitores e comentaristas, da Antiguidade até hoje.”
Sendo impossível não prosseguir com a leitura diante de tamanho mistério, logo descobrimos que tal ideia é chamada por Olavo de A Teoria dos Quatro Discursos:
“O discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica).
E o que isso tem de tão importante? Olavo explica a seguir:
“Nossa visão da teoria aristotélica do pensamento discurso é baseada exclusivamente na analítica e na tópica, isto é, na lógica e na dialética, amputadas da base que Aristóteles tinha construído para elas na poética e na retórica. (…) Do edifício da teoria do discurso, haviam sobrado só os dois andares superiores — a dialética e a lógica —, boiando sem alicerces no ar."
E eu sei que você se pergunta: tá, mas e aí?
Mais para frente, Olavo comenta que as quatro ciências do discurso tratam de “quatro maneiras pelas quais o homem pode, pela palavra, influenciar a mente de outro homem (ou a sua própria).”
Se isso é verdade, me parece um tema relevante para que nós, comunicadores, marqueteiros, copywriters ou outros "profissionais criativos” que causam preocupação a seus pais deveríamos saber.
Os 4 Níveis de Credibilidade
O ponto fundamental de toda a questão — e o motivo do meu grande interesse pela teoria — é apresentado pelos níveis de credibilidade presentes em cada um dos 4 discursos:
“As quatro modalidades de discurso caracterizam-se por seus respectivos níveis de credibilidade:
a) O discurso poético versa sobre o possível, dirigindo-se sobretudo à imaginação, que capta aquilo que ela mesma presume;
b) O discurso retórico tem por objeto o verossímil e por meta a produção de uma crença firme que supõe, para além da mera presunção imaginativa, a anuência da vontade; e o homem influencia a vontade de um outro homem por meio da persuasão, que é uma ação psicológica fundada nas crenças comuns. Se a poesia tinha como resultado uma impressão, o discurso retórico deve produzir uma decisão, mostrando que ela é a mais adequada ou convincente dentro de um determinado quadro de crenças admitidas;
c) O discurso dialético já não se limita a sugerir ou impor uma crença, mas submete as crenças à prova, mediante ensaios e tentativas de traspassá-las por objeções. É o pensamento que vai e vem, por vias transversas, buscando a verdade entre os erros e o erro entre as verdades. (…) O discurso dialético mede, enfim, por ensaios e erros, a probabilidade maior ou menor de uma crença ou tese, não segundo sua mera concordância com as crenças comuns, mas segundo as exigências superiores da racionalidade e da informação acurada;
d) O discurso lógico ou analítico, finalmente, partindo sempre de premissas admitidas como indiscutivelmente certas, chega pelo encadeamento silogístico, à demonstração certa da veracidade das conclusões.”
A ideia do Olavo, como ele mesmo fala, é demonstrar que entre os quatro discursos não há uma diferença de “natureza”, mas de “ grau”.
“A consequência disto é tão óbvia que chega a ser espantoso que quase ninguém a tenha percebido: as quatro ciências são inseparáveis; tomadas isoladamente, não fazem nenhum sentido.”
As consequências para o marketing
Não me parece ser absurdo fazer algumas relações entre os Quatro Discursos e o Marketing.
Como vimos anteriormente, com minha própria experiência explorando o Império Romano, o discurso do livro Domínio tem mais força quando eu o escuto a partir de uma crença comum que me é apresentada pelo livro Quo Vadis.
E eu acredito que fazemos exatamente as mesmas coisas — ainda que com outros nomes ou de maneira inconsciente — com as nossas campanhas publicitárias.
Peguemos como exemplo dois dos livros mais famosos do marketing de resposta direta, Breakthrough Advertising e Great Leads.
No primeiro, somos apresentados aos famosos “Níveis de Consciência” do nosso leitor e, no segundo, aos principais “leads” para cada um deles.
O leitor atento já deve ter feito o paralelo: há um tipo de público que é chamado de “totalmente inconsciente”, ou seja, alguém que não sabe nem que tem um problema ou desejo e que existe uma solução.
É um completo perdido.
E qual é o lead, o tipo de headline ou abertura, indicado para falar com esse público? Uma história.
Ou seja: um discurso poético.
Porque o grande objetivo de uma história não é convencer — isso se dará adiante, na retórica — mas apresentar uma base de crenças que depois sedimentarão o processo de decisão.
No que seu cliente acredita?
Na mentoria do Copycraft, o Rafael Censon costuma avaliar as campanhas submetidas pelos alunos com esse questionamento:
“No que esse cliente precisa acreditar para que isso aconteça?”
E a grande verdade é que nem sempre nosso cliente acredita no que precisamos que ele acredite no momento em que escuta a nossa oferta.
Isso é muito comum no mercado de infoprodutos, por exemplo.
Normalmente pensamos na necessidade de quebrar as objeções principais — não tenho tempo e não tenho dinheiro —, sendo que é bem provável que a maior objeção seja algo como:
“Eu não sei se eu consigo.”
E para esse tipo de objeção, argumentos lógicos e racionais fazem pouco efeito, porque a crise de confiança pode muito bem ser uma crise de imaginação.
Alguém tão imerso nos próprios problemas não consegue nem imaginar que exista uma solução, uma luz no fim do túnel.
Sua vida é tão difícil — e o difícil se tornou tão normal — que pensar em algo diferente vai contra as próprias crenças que estruturam sua personalidade.
Para pessoas assim, não vendemos apenas um curso, mas um novo mundo, um novo universo de possibilidades, uma nova forma de ver e de viver.
E quem é que toma uma decisão dessas com base no “você pode parcelar em até 12x!”?
Então, o que podemos fazer?
Em primeiro lugar, não acredito que seja prudente querer codificar a Teoria dos Quatro Discurso nas 4 Novas Leis do Marketing.
Também não acho pertinente querer encaixotar os períodos de um lançamento ou de um funil de vendas dentro da teoria.
(Espero que eu mesmo não tenha feito isso em demasia.)
Acredito, contudo, que se quisermos que nossas mensagens causem impacto e se traduzam em vendas, devemos ter em mente o ambiente em que nossas palavras são recebidas.
Normalmente, nós — copywriters e/ou especialistas — de tanto conhecermos o que vendemos e de compará-los com produtos concorrentes ou semelhantes, podemos cair na tentação de falarmos apenas para nós mesmos.
E não há problema de falar assim com um outro alguém que está nesse momento da jornada — alguém que procura uma mentoria, por exemplo.
Mas não podemos nos esquecer que aquele grande público, os inconscientes, o público que faz qualquer negócio prosperar, precisa nesse momento apenas de uma possibilidade, daquele óbvio que muitas vezes você até esquece de dizer porque já está batido demais (para você).
A questão é que, se fizermos esse esforço, se conseguirmos transmitir essas crenças com nossas campanhas, sobretudo através de um discurso poético, todo o esforço posterior será muito mais fácil.
Como certamente será mais fácil a leitura de Domínio por alguém que tiver passado pelas mais de 500 páginas de Quo Vadis.
Um abraço,
Catapan
Vamos aos pê-esses e indicações:
P.S.1: Estamos acompanhando Ruptura aqui em casa e a recomendação vai com ressalvas: se você não consegue suportar um mistério por uma semana, espere a temporada acabar para assistir. É uma ótima série — e começo a me perguntar se não será utilizada por apologistas daqui em diante para explicar as duas naturezas de Jesus Cristo. (Não vou elaborar, mas estou pensando nisso…)
P.S.2: Começamos a ver Disclaimer, no Apple TV+, uma série com a Galadriel Cate Blanchet. Muito interessante. Dois episódios e estamos completamente fisgados.
P.S.3: A Editora João & Maria lançou Um Prisioneiro no Cáucaso, um ótimo livro de Tolstói que tive o prazer de ler. Eis aí uma excelente história de aventura e coragem, escrita por um dos maiores escritores de todos os tempos. Recomendado para jovens de leitores de 8 a 80 anos.
P.S.4: Desde que comprei meu primeiro carro no ano passado, comecei a ter uma leve fascinação pelo universo automotivo. Não demorou muito até que isso se unisse ao trabalho e um perfil que recorda os melhores anúncios automotivos surgisse: siga o RetroRodas no Instagram.