#53 - Pode um homem casado ler O Senhor dos Anéis?
E a minha retrospectiva literária de 2024
A série “Anéis do Poder”, do Prime Video, é a prova irrefutável daquele antigo adágio teológico:
“Deus não permitiria um mal se dele não pudesse tirar um bem maior.”
E depois de aturar 16 episódios de uma das piores séries já feitas na história, encontrei minha consolação com um desejo que crescia em paralelo à minha raiva:
“Está na hora de reler O Senhor dos Anéis.”
Mas ao mesmo tempo que esse desejo aparecia — talvez como uma tentativa de provar para mim mesmo o quanto eu estava correto e o quanto aquela série não era Tolkien — uma dúvida também se imiscuía em meus pensamentos:
“Será que eu ainda gosto de O Senhor dos Anéis?”
A dúvida não me é descabida porque alguns anos atrás, quando enfim comprei a trilogia em sua última e mais nova tradução, minha leitura foi mais ou menos empolgante, até empacar completamente no fim d’A Sociedade do Anel.
Não consegui ir em frente. Parecia que essa página da minha vida já tinha virado. Que meus dias de leitor de fantasia tinham ficado para trás — e que talvez a única excessão ainda fossem os últimos livros das Crônicas de Gelo e Fogo (sim, já pode começar a rir).
Agora eu lia livros "de adultos”: Milan Kundera, Michel Houellebecq, Emmanuel Carrère, Joan Didion… o tempo dos magos e dragões e espectros tinha ficado para trás.
Foi nesse espírito que abri as páginas de O Senhor dos Anéis. E que bom que o fiz.
Terminei os três livros em pouco mais de um mês e foi meu companheiro em todas as manhãs, na hora da leitura antes da primeira cuia de chimarrão.
No auge dos meus 32 anos, casado e (ainda) sem filhos, a obra de Tolkien ainda encontrou espaço em minha vida.
É um livro infantil? Sim, mas é o melhor de todos. E para mim é o suficiente.
Certamente é o meu livro preferido da vida.
Bom, vamos às melhores leituras de 2024:
Não é por menos que Domínio, do historiador Tom Holland, tenha sido a causa de tantas conversões nos últimos anos.
O livro mostra como o pensamento cristão — e aquilo que hoje damos muitas vezes por garantido — foi nada mais que revolucionário.
Talvez seja o livro apologético ideal para uma época desconfiada dos assuntos do alto.
De Kundera, que citei acima, li A Imortalidade, e de Carrère, V13, sobre o julgamento dos atentados em Paris.
O primeiro foi lido logo no início do ano, então tenho poucas memórias, mas o segundo — como todos os livros que li desse autor — permanece vivo em minha mente.
É um livro difícil, triste e muitas vezes horroroso — e justamente por isso é tão fascinante.
Também neste ano li, forçado, A Metamorfose, do Kafka, e meu pavor de insetos não me permite escrever muita coisa à respeito.
Deixo as análises e críticas sociológicas para vocês, eu só queria me ver longe daquilo.
De Hemingway, li Por quem os sinos dobram e O Velho e o Mar. Gostei, mas gostei MUITO, dos dois.
Sei que muita gente indica “Hemingway para copywriters” e isso me fez pensar que se eu pensasse em abrir um livro para melhorar minha escrita, certamente nunca mais leria um único livro na minha vida.
Mas falando em quem escreve magistralmente bem, li neste ano O casamento, do Nelson Rodrigues.
E olha: desde “A Amiga Genial” eu não lia algo assim — um daqueles livros em que você é completamente fisgado, capturado, sequestrado pela história e que não consegue fazer outra coisa com seu tempo livre senão ler.
Recomendo. Recomendo. Recomendo.
Possivelmente foi a melhor leitura do ano, mas meu coração reserva um carinho especial pelo Feérico Luar no Copacabana Palace, do Alexandre Soares Silva.
Eu precisei visitar o Rio de Janeiro para entender o amor que nutrem por aquela cidade, e ver um romance de época, com traços de história de detetive e um humor tão elegante (e tão engraçado, ao nível de gargalhar sozinho em casa)… só consigo dizer que estou ansioso pela continuação.
E, para fechar a lista, trago dois livros “do ofício”, por assim dizer:
O primeiro dos dois foi o último a ser lido, Hegarty on Advertising, do John Hegarty. Como todo livro de publicidade, este é uma bela propaganda de agência — a inglesa BBH — mas é um livro muito interessante, muito honesto e muito criativo. Gostei mais dele do que do famoso Confissões do Ogilvy.
Já o segundo livro é um livrinho, mas é também um primor: O mínimo sobre a criatividade, do escritor Luiz Carreira. Não deixe se enganar pelo tamanho deste livro: é possivelmente um dos melhores sobre o assunto já escrito em português. Penso que deve ser leitura anual de todo profissional criativo.
No momento, estou terminando Pequenas Virtudes, da Natalia Ginzburg e há dois ou três ensaios ali que me marcaram bastante. Mas talvez tenha que falar dele só no ano que vem…
Por hoje é isso, pessoal.
Um até breve!
Catapan.