Ainda que eu leia todos os gurus de produtividade, é com os santos da Igreja que eu recebo os melhores conselhos — ou puxadas de orelha — para trabalhar melhor.
Talvez isso não devesse ser nenhuma surpresa.
Veja: um tema recorrente no ~mundo da produtividade~ é a infinita busca pelo aplicativo-método-técnica perfeita para ser "mais produtivo".
Eu mesmo já me embrenhei por essa floresta.
Houve uma época em que eu procurava pelo melhor aplicativo possível para organizar as minhas anotações.
E eu devo ter testado todas as opções existentes na App Store.
(Não estou exagerando.)
No final das contas, escolhi uma opção (o Notion, caso alguém queira saber) mais por preguiça de começar tudo do zero novamente do que por alguma funcionalidade indispensável.
Uma época li que a forma como nós, velhos, organizamos nossos arquivos digitais em pastas é um conceito tão estranho para os xófens quanto o ícone de um disquete para salvar um documento.
As crianças estão tão acostumadas a encontrar qualquer coisa com uma simples pesquisa que não é de se estranhar que seus Drives não tenham a mínima organização.
E talvez hoje seja o primeiro dia da minha vida em que fale que os jovens podem estar certos sobre algum assunto.
Eu mesmo desisti de tentar criar um "sistema de organização" perfeito, com tags, pastas e subpáginas para os assuntos mais específicos.
No máximo, coloco alguma coisa interessante em uma pasta específica e, quando precisar, conto com a ajuda do meu anjo da guarda para me lembrar de uma palavra ou frase específica que eu tenho certeza de que utilizei naquele documento em específico.
(Por incrível que pareça, funciona.)
E o anjo da guarda me traz de volta ao início deste texto: os conselhos dos santos.
O ponto que quero trazer neste texto é que a "baixa produtividade" — também chamada de procrastinação ou, simplesmente, PREGUIÇA — também é um problema espiritual.
Não será um aplicativo que irá resolver a sua preguiça de nem começar uma tarefa.
É por isso, por exemplo, que o começo do livro Castelo Interior, escrito — ao que tudo indica, com uma certa dose de má vontade — por Santa Tereza de Ávila, é tão interessante para nós.
Diz a Santa logo no primeiro ponto do livro:
Entre as ordens que da obediência tenho recebido, poucas se me afiguraram tão dificultosas como ter de escrever agora sobre esses assuntos de oração (...);
Entendendo, porém, que a força da obediência costuma facilitar o que parece impossível, determino-me de muito boa vontade a empreender o trabalho, embora a natureza se aflija bastante.
É evidente que Tereza não reclama por preguiça — eu apostaria as minhas fichas em uma profunda humildade.
Mas não deixa de ser valiosa a sua lição: mesmo que não se tenha vontade, encontra-se força em virtude da obediência.
(Aquele que nunca "encontrou a criatividade" quando o chicote estalava nas costas que atire a primeira pedra!)
O que vale a pena investigar, portanto, não são os aplicativos ou métodos revolucionários de produtividade, mas as formas como podemos desenvolver o nosso espírito para fazer o que precisamos, mesmo que não tenhamos vontade ou alguém para nos obrigar.
Confesso também que é uma procura muito mais interessante.
Nos vemos na semana que vem!
Catapan
P.S.1: Drops of God é uma boa série disponível no Apple TV+. Se você gosta de vinho, vai se encantar. E, se não gosta, vai aprender um bocado. Descobri depois de alguns episódios que trata-se da adaptação de um mangá japonês, o que explica muita coisa.
P.S.2: Silo é outra série legalzinha do Apple TV+. Futuro pós-apocalíptico, pessoas vivendo num ambiente confinado, dramas e mistérios que te prendem pelo menos por uma semana. Vale o play.
P.S.3: O filme do Super Mario é bastante divertido, espero que a Nintendo esteja planejando algum com o Link e a Princesa Zelda.
P.S.4: Falando em Zelda, comecei a jogar Tears of the Kingdom (vulgarmente chamado de Choro do Reino em português) e é impressionante. Estou vendo todos os tutoriais e guias no YouTube para fazer absolutamente qualquer coisa? É óbvio. Mas mesmo assim estou gostando.
P.S.5: Por conta do Zelda, tenho lido muito pouco… Na lista de leitura atual constam: Aniquilar, do Houellebecq; Castelo Interior, de Santa Tereza; As Horas de Katharina, do Bruno Tolentino e A World Without E-mail, do Cal Newport.
O pobrema é que esse negócio aí de superar a preguiça na base do «desenvolvimento espiritual» – independentemente a quê isso possa se referir – também dá uma preguiça do cacete, porque também requer esforço. Penso que a origem da preguiça pode indicar seu próprio arremedo. Por exemplo: às vezes, diante de uma tarefa, não se concebe direito ou se percebe como insuficientes aqueles bens que serão os frutos da tarefa, por pura e simples falta de imaginação. Às vezes, também, pode ser acídia – o que já complica ainda mais as coisas. Nos indispomos diante de algo porque achamos que nada vai dar em nada, que não vamos conseguir mesmo, etc.