#58 - Meu momento Kronstadt no Marketing Digital
A raiva como antídoto para a insegurança
No livro A Corrupção da Inteligência, o autor Flávio Gordon apresenta um conceito chamado de “momento Kronstadt”.
Ele diz respeito a:
“Um despertar da consciência que acometeu muitos intelectuais europeus em face dos horrores do comunismo, arrancando-os subitamente da caverna ideológica em que jaziam acorrentados.”
Kronstadt era o nome de uma fortaleza naval localizada no golfo da Finlândia onde, em 1921, marinheiros, soldados e civis rebelaram-se com a tirania bolchevique que tomara conta da Rússia após a Revolução de 1917.
A repressão, comandada por Lenin, foi brutal, resultando em um verdadeiro mar de sangue.
Para muitos intelectuais e apoiadores do regime, a história de Kronstadt foi o despertar para os erros e perigos do regime.
“O momento Kronstadt é um fenômeno de natureza individual, exclusiva e eminentemente subjetiva; uma espécie de epifania moral, até religiosa. (…) Para uns, ele pode brotar de episódios históricos particularmente dramáticos; para outros, de um acontecimento comezinho.”
E foi justamente um “acontecimento comezinho” que resultou no meu “momento Kronstadt” no Marketing Digital.
Quando minha mãe caiu num “golpe”
No último final de semana, fui visitar meus pais que moram numa cidadezinha aqui perto de Joinville.
Depois do almoço — carne assada, maionese e uma deliciosa batata doce caramelada que seria proibida por 9 entre 10 nutricionistas — minha mãe, como quem não quer nada, faz a pergunta que todo filho adulto vai ouvir pelo menos uma vez na vida:
“André, veja se eu não cai num golpe aqui na internet…”
Para meu alívio, não era cartão clonado, sequestro relâmpago ou jogo do tigrinho.
Minha mãe tinha comprado, sozinha e sem ajuda, seu primeiro infoproduto.
Sua queixa?
“Eu comprei isso, mas não recebi nada, não sei como entrar. Veja se não tomei um golpe.”
Eu entrei no seu e-mail, procurei as mensagens de compra confirmada e de primeiro acesso.
Cliquei, fiz sua conta, deixei a senha salva no navegador e até criei um atalho da página da web para que aparecesse na primeira tela do celular.
Estava tudo lá. Não tinha sido golpe nenhum.
Até que resolvemos conferir o produto.
O pior produto que eu já vi
Minha mãe é dona de padaria, confeiteira de mão cheia e reconhecidamente uma das pessoas que melhor cozinha em nossa família.
(Se algum familiar meu estiver lendo isso, vai concordar e ainda dizer que isso não é pouca coisa…)
O produto que ela comprou era baratinho, R$ 47,90, e prometia ensinar a fazer um determinado tipo de “flores comestíveis” para decorar bolos.
Ela imaginou que o curso continha receita, modo de preparo, armazenamento e decoração.
Mas o que nos deparamos não era exatamente assim.
A receita era um PDF incompreensível. O texto não fazia sentido, as quantidades e os ingredientes eram extremamente confusas. Nem o modo de preparo estava descrito.
O vídeo “ensinando” a fazer era igualmente estranho. Nenhuma fala, uma trilha sonora esquisita. Pela experiência, ela adivinhou algumas coisas, mas não teve certeza de nada.
Os outros materiais eram igualmente horríveis. O que mais me chamou a atenção foi um vídeo ensinando a armazenar a matéria-prima.
Em vez de um vídeo mudo, era claramente um conteúdo de outra pessoa com uma narração em português — carioquês — por cima.
Mas o pior: quem estava “traduzindo” claramente não fazia ideia do que estava falando!
Foi só aí que entendi o que estava acontecendo.
Alguém pegou aquele conteúdo do exterior e revendeu aqui no Brasil da maneira mais porca, mal feita e sem cuidado que eu já vi.
“Como foi que minha mãe acreditou nessa pessoa?!”
Um perfil público que esconde muita coisa
Meu próximo passo foi investigar o perfil do Instagram de quem vendeu aquilo para ela.
A foto era de confeiteira profissional, o perfil tinha mais de 160 mil seguidores e aquela bio padrão de Instagram:
Te ensino a viver da confeitaria.
Mais de 16 mil alunas.
As fotos pareciam estranhas, como se fossem tiradas de vários lugares diferentes e colocadas ali.
A dona do perfil não aparecia em nenhuma foto e não tinha nenhum story.
Mas as publicações eram inundadas por comentários com “EU QUEROOOOOO” ou “Esse curso valeu cada centavo!”.
Mas, curiosamente, esses comentários só apareciam em perfis privados.
Nada ali parecia real. Por que não era.
Era tudo mentira.
A especialista era de mentira. As postagens eram de mentira. Os comentários eram de mentira. O produto era de mentira.
A única coisa real disso tudo foram os R$ 47,90 que minha mãe investiu.
O meu momento Kronstadt
Quando percebi isso, minha primeira sensação foi de raiva.
Não pela minha mãe ou pelo dinheiro que ela havia gasto.
Mas senti raiva dessa falta de consideração — diria até falta de amor — com o cliente.
Senti raiva porque são as pessoas que se sentem enganadas como a minha mãe que depois se queixam em nossos produtos todas as suas frustrações.
Senti raiva porque esse tipo de comportamento mancha o nosso mercado.
Mas, mais importante, eu acabei sentindo raiva de mim mesmo.
(E espero que eu consiga transferir um pouco dessa raiva para você. Vai ser para o seu bem.)
Nos últimos meses, tenho feito parte da mentoria do Rafael Censon, o Copycraft. E não há uma semana em que não sejamos instigados (quase coagidos) a criar algo nosso nessa bodega digital.
E um sentimento comum — meu e da maioria dos colegas — é aquela sensação de que, resumidamente, “eu não tenho o que oferecer”.
Aquela sensação do “eu ainda tenho muito a estudar”, “eu não sei se vou conseguir me comunicar”, “eu não sei se alguém vai querer algo que de mim”, “aquele fulano já faz algo assim e o dele é muito melhor”…
Enfim: ficamos tão soterrados pelo peso de nossas próprias desculpas que isso nos impede de agir.
E quando eu confrontei isso, esse sentimento que há meses me angustia, com aquele produto xexelento que minha mãe comprou, eu não pude deixar de pensar:
Porra! Olha essa merda que alguém teve coragem de vender e você fica com essas palhaçadas aí? Cria vergonha nessa cara, caceta.
E esse foi o meu momento Kronstadt no Mercado Digital.
Foi a minha realização de que eu — e provavelmente você que está lendo — não podemos ter essa vergonha ou essa falta de coragem para dar os nossos passos por aqui.
Porque a verdade é que tem MUUUUUUUITA gente talentosíssima por aí, que morre de vontade de fazer alguma coisa, mas trava por esses mesmos medos.
Gente que poderia estar ensinando, ajudando outras pessoas, ganhando dinheiro com a internet — e ganhando dinheiro de forma honesta, sem enganar ninguém — mas que não faz por que não tem certeza se é capaz, se vai dar certo ou se alguém vai gostar.
Mas é IMPOSSÍVEL ter essa certeza.
É impossível até mesmo saber se a gente vai acordar amanhã. Mas acreditamos que sim e seguimos em frente.
E é óbvio que na nossa vida nós cometemos erros e fazemos as nossas próprias cagadas. Mas quer saber? NINGUÉM LIGA. NINGUÉM SE LEMBRA.
Por que diabos no digital vai ser diferente?
Ou você acha que no seu funeral alguém vai pedir a palavra para dizer “em março de 2025 eu comprei uma aula do fulano e o cenário dele tava bem mixuruca”.
Então, essa minha newsletter é um desabafo. Mas também é um chamado para todos aqueles que adiam.
Eu realmente não gosto daquela copy batida que diz “tem gente muito menos talentosa que você fazendo muito dinheiro”.
Mas é verdade. E tem muito picareta também.
E, talvez pela nossa omissão, essas mesmas pessoas estão causando problemas em alguém que precisa do que temos a oferecer.
Pra mim, isso é uma motivação muito mais interessante.
Um grande abraço,
Catapan
P.S.: Idealmente, eu terminaria essa newsletter com alguma oferta, mostrando que agora eu sou o “avatar transformado do mercado digital”. Seria legal, mas não deu tempo. Apenas adianto que tenho uma proposta de consultoria em mente e que também estou preparando um e-book que, sinceramente?, não vi ninguém fazendo algo minimamente parecido. Então, só posso pedir que aguardem.
P.S.2: Voltando ao grande assunto dos nossos pê-esses, terminei Quo Vadis e adorei. Aproveite a segunda-feira de Carnaval e li quase 150 páginas, porque estava simplesmente impossível largar. Tenho apenas uma pequena crítica que talvez vire uma newsletter, talvez não. Mas recomendo vivamente.
P.S.3: O episódio 7 de Ruptura é simplesmente um dos episódios mais lindos que eu já vi.