#50 - Para onde foram os anúncios memoráveis?
Um pensamento aberto sobre o fim de uma era
Washington Olivetto está morto.
Quando soube de sua morte e revi algumas de suas propagandas mais famosas, me perguntei:
Porque os anúncios não marcam a cultura como marcavam antigamente?
Quando foi a última vez que uma frase como “não é uma Brastemp” caiu na boca do povo?
Ou quando foi que personagens, como o “Cara do Bombril” ganharam um status cultural?
É fácil colocar a culpa na falta de criatividade ou no exagero do data-driven-advertising, algo que até o próprio Olivetto reclamou:
“Nos dias de hoje, muitos publicitários só não estão utilizando a palavra algorithms, como no original em inglês, porque andam apaixonados por algoritmos em qualquer língua. As agências deixaram de ser geradoras de ideias, para ser checadoras de dados. Não perceberam que não adianta nada reach o consumidor, sem touch o consumidor. Idiots.”
Visto no Instagram do Meio & Mensagem.
E, bem, não tenho esse calibre para falar da falta de criatividade dos outros — posso, sim, falar da minha, que é sempre extensa e, infelizmente, parece ser interminável.
Mas penso que a falta de criatividade talvez não seja a resposta para a minha pergunta.
Talvez seja a TV.
Se pararmos para pensar, o que praticamente todas as campanhas que consideramos memoráveis tem em comum?
Elas eram veiculadas na TV. E, em especial, na TV aberta. Rede Globo, SBT, Record.
A mesma propaganda, repetida incontáveis vezes, para todo o Brasil.
Porque, querendo ou não, a programação da TV não era simplesmente um cardápio de programas, mas os assuntos que uniam a nação.
“Quem matou Odete Roitman?”
Eu nunca vi essa novela, mas sei que ela se chamava Vale-Tudo.
Da mesma forma, até quem não assistia Laços de Família soube que a Carolina Dieckmann raspou o cabelo ao som de Love By Grace, da Lara Fabian (que se tornou no Brasil “carolina dieckmann cortando cabelo musica”).
Goste-se ou não, a TV proporcionava experiências unificadoras. Todos assistiam às mesmas poucas coisas porque elas eram as únicas coisas a que assistir.
Inclusive as propagandas.
Sem por um momento desmerecer ou diminuir a capacidade do gênio, as grandes campanhas do passado encontravam condições perfeitas que, provavelmente, nunca mais vão se repetir.
O criativo conseguia fazer um país inteiro ouvir a mesma mensagem.
Os gênios, como Olivetto, tornaram-se inesquecíveis.
Mas essa já não é mais a nossa realidade. Bastaram 3 invenções para o mundo como conhecemos mudar completamente num espaço de pouquíssimos anos:
A internet de alta velocidade
O iPhone
As redes sociais
Foi o que bastou para a dinâmica de consumo mudar.
Saem as TVs e entram os feeds alimentados pelos seus algorítmos.
Em vez de uma programação para um Brasil inteiro, temos 200 milhões de programações diferentes para cada usuário — um termo apropriado, diga-se de passagem.
200 milhões de pessoas que vem programas diferentes, em horários diferentes e que são impactadas por anúncios diferentes.
Não é por menos que de tempos para cá nenhum anúncio pareça se destacar.
Consumimos tanto conteúdo, e conteúdo do mundo inteiro, que nada tem tempo de repousar em nossa memória.
Se vemos um anúncio, logo vemos outros 3, 5, 10.
Vemos tantos anúncios que não ver anúncios se tornou um dos maiores e melhores argumentos de vendas — eu mesmo pago por duas assinaturas com esse objetivo: YouTube Premium e meu Duolingo para meus passatempos em italiano.
Mas talvez esse seja o impacto menos nocivo dessas milhares de TVs em nossos bolsos.
Enquanto refletia nesses assuntos, fiquei questionando que eventos conseguem, hoje, unir todo um país.
Não digo “unir” no sentido de se abraçar e concordar e viver felizes como em um cartaz dos Testemunhas de Jeová.
Digo “unir” no sentido de “o país inteiro está falando disso".
O primeiro exemplo que me veio foram as competições esportivas.
Ao longo das 2 semanas de Olimpíadas, não havia espaço para catástrofes ou outras notícias. Apenas o ouro importava.
Da mesma forma, durante a Copa do Mundo, os 200 milhões de nós calçamos nossas chuteiras e nos preparamos para nos decepcionar mais uma vez, mas vivemos aquilo com intensidade.
Se não me engano, o Olavo de Carvalho falava na união nacional causada pela devoção a Nossa Senhora Aparecida e pelas festas de São João.
Talvez algo semelhante, mas em menor escala, aconteça ainda com algumas edições do Big Brother Brasil. Nas novelas, talvez a última que ocupou esse posto foi Avenida Brasil.
Mas, infelizmente, há outro evento que une os brasileiros e que acontece a cada 4 anos: eleições.
Talvez isso ajude a explicar um pouco tantos conflitos. Temos tão poucas experiências que nos unifiquem que acabamos unidos apenas quando estamos mais divididos.
Não é minha missão aqui querer explicar qualquer coisa, muito menos apontar soluções.
Quero apenas registrar esse pensamento.
Um pensamento que me veio quando soube da morte do Sr. Olivetto.
No mesmo ano em que Silvio Santos partiu, talvez esse seja, de fato, o marco do fim de uma era.
Um grande abraço,
Catapan
P.S.: Como disse na semana passada, estou relendo O Senhor dos Anéis pela sexta ou sétima vez. E, mais uma vez, reluto em ler os capítulos de Moira pensando na ruína de Gandalf, mesmo sabendo do desenrolar da história! Que coisa maluca, não?