Em um episódio recente do The Vergecast, o host David Pierce convida seus colegas para falar sobre seus “sistemas de produtividade”— um nome bonito para explicar como eles trabalham.
(Todos, ou quase todos, remotamente.)
A discussão é muito interessante — e você pode ouvir o episódio completo (em inglês) tocando aqui. Eu quero, contudo, trazer os pontos que mais me chamaram a atenção e, ao final, comentar como eu trabalho atualmente.
Antes de começar, uma breve contextualização.
Ao contrário de 99% dos conteúdos sobre produtividade existentes na internet, este episódio me chamou a atenção pela sua honestidade.
Em se tratando de um site que cobre tecnologia, comecei o podcast esperando receber uma lista de aplicativos, gadgets ou soluções de inteligência artificial para ser mais produtivo.
Mas não foi isso que encontrei, muito pelo contrário. Encontrei abordagens profundamente humanas, caóticas e imperfeitas.
Exemplos que, provavelmente, funcionam apenas para aquela pessoa em específico, mas que, em conjunto, nos apontam princípios que podem ser úteis para todos nós.
Aqui vão os principais pontos que anotei:
1. Cada pessoa trabalha de uma maneira
Embora todos os entrevistados trabalhem na mesma empresa e desempenhem funções semelhantes — são jornalistas ou executivos, knowledge workers, na definição do Cal Newport — cada pessoa trabalha de uma forma diferente.
E isso se reflete não apenas nos apps ou gadgets utilizados.
Há quem tente criar uma organização extremamente meticulosa, há quem se encontre no seu próprio caos “organizado”.
Há quem só trabalhe na mesa do escritório, há quem trabalhe no sofá — e, eu diria, na mesa da cozinha, na varanda ou em qualquer lugar.
A questão é: trabalhando, cada pessoa encontra o seu próprio jeito de trabalhar.
2. Limites entre o pessoal e o profissional precisam ser estabelecidos
Quem vive no home-office sabe que o lado bom e o lado ruim de trabalhar em casa é trabalhar em casa.
Sem limites claros entre o pessoal e o profissional, é fácil se perder — e, eu diria, se estressar (quase se desesperar).
Não é por menos que praticamente todos os entrevistados relataram um grande esforço para separar a vida pessoal e profissional na forma como organizam suas atividades.
E esta separação vai além de um calendário pessoal e outro profissional.
Se você usa, por exemplo, o Lembretes do iPhone como seu sistema de tarefas pessoais, procure outro aplicativo para as tarefas profissionais (um muito mencionado, e que acabei de baixar, é o TickTick).
Esta é uma forma de “garantir” (entre muitas aspas) que, quando você está trabalhando, você está trabalhando. E, quando está “vivendo”, você está “vivendo”.
3. Não trabalhe pelo celular.
Talvez o melhor conselho de todo o podcast: celular é um aparelho de uso pessoal, e não de trabalho.
Com certeza, muitos de vocês já devem estar revirando os olhos frente a tamanho absurdo, porém, o ponto é:
Se você trabalha pelo celular, você leva o seu trabalho para onde você for.
E, se você trabalha de casa, a sensação de “sufocamento” é ainda maior.
Dividir as coisas, inclusive por dispositivos, me parece uma forma extremamente efetiva de estabelecer limites e desenvolver hábitos.
Se você sabe que não terá os recursos para executar seu trabalho — como terminar um e-mail ou um texto qualquer — assim que sair de sua mesa, você encontrará mais uma dose de motivação para trabalhar no seu computador.
(Não sei se eu conseguiria deletar o Slack do celular, mas a ideia é, certamente, tentadora.)
4. Conveniência garante a aderência
Todo mundo sabe que a melhor dieta é aquela que você consegue seguir por mais tempo.
Mais do que contar calorias ou evitar os carboidratos, é a aderência ao plano que garante os maiores e melhores resultados.
Com esses sistemas e aplicativos de produtividade, a lógica é a mesma.
Aquele que for mais conveniente para você será aquele que irá funcionar melhor.
Há pessoas que anotam tudo o que precisam fazer em notas aleatórias e isso funciona.
Há pessoas que mandam mensagens para si mesmas no WhatsApp com lembretes e compromissos e isso funciona.
Há pessoas que anotam numa folha de papel as tarefas do dia e isso funciona.
De modo geral, a melhor solução é aquela que você consegue manter por mais tempo — mesmo que ela funcione apenas para você.
5. Escrever é o mais importante
Talvez este tenha sido o tópico mais próximo de se tornar uma unanimidade em toda a discussão: quem quer ser produtivo anota o que precisa fazer.
Você precisa escrever para lembrar. Se quiser digitar, OK, já é um começo. Mas sua memória “absorve” mais quando você começa a escrever no papel.
O pensamento se molda na tinta da caneta e é com base nisso que você decide como trabalhar.
Para algumas pessoas, o simples fato de escrever as tarefas é suficiente para organizá-las em sua mente, definindo prioridades e estabelecendo prazos mais ou menos definidos para cumpri-las.
Para outras pessoas, a escrita é apenas um rascunho que precisa ser “formalizado” posteriormente, seja num calendário, num aplicativo de tarefas ou numa database do Notion.
(Para muitos, essa formalização que se vende como “organização” é o que mata a produtividade. Me incluo nesse grupo.)
O ponto é: a escrita é a base da organização, por isso ter um caderno sempre à mão será sempre uma boa escolha.
Como EU trabalho
Estes pontos me fizerem refletir sobre como eu trabalho atualmente (sou um copywriter que trabalha remotamente, para quem não me conhece).
Em primeiro lugar, tenho poucas divisões ou limites entre o pessoal ou o profissional.
Se algo precisa estar pronto de manhã cedo, eu posso acordar de madrugada para terminar.
Se uma demanda não prevista surge quando estou fora de casa, posso usar o celular para executar.
E isso não me incomoda em absoluto. Acho, inclusive, um preço justo a se “pagar” pela vantagem de não precisar sair de casa para trabalhar.
Quanto ao que é conveniente, eu já tentei de tudo, mas o que funciona pra mim é a boa e velha agenda que eu preencho todas as manhas e que fica na minha mesa o tempo inteiro.
É ali que coloco minhas principais demandas de trabalho, sobretudo as mais urgentes. As tarefas não completadas entram na lista do dia seguinte.
(Experimente escrever 3 ou 4 vezes a mesma tarefa e entenda como a vergonha pode ser uma grande aliada para ser mais produtivo.)
Também tenho um caderno ao meu lado. Eu penso escrevendo e muitas vezes preciso “rabiscar” para conseguir organizar meus pensamentos — nem que seja para dar uma ordem no que eu preciso fazer.
Quando chega nos aplicativos, a situação fica um pouco mais complicada.
Para tarefas pessoais, uso o Lembretes do iPhone (mas normalmente elas se resumem a coisas que precisamos comprar no mercado).
Para tarefas profissionais, uso a agenda.
Para escrever rascunhos no computador — as V0s ou V1s dos textos que preciso fazer — a situação complica:
Uso o Google Docs, Pages, Word, iA Writer, Notion, Notas, Drafts e Scrivener.
Já tentei separar por “áreas” da minha vida, mas não tem funcionado muito bem.
Normalmente, as coisas do trabalho moram no Google Docs e as coisas pessoais ficam perdidas em todo o lugar.
Este texto, por exemplo, começou com uma pequena nota no Notas do iPhone e ganhou sua primeira versão no iA Writer (que uso em tela cheia, com letras grandes, como o idoso que vive dentro de mim prefere).
(Isso me lembrou de outro ponto que estava quase esquecendo: tenho preferido trabalhar com uma única tela e com um único aplicativo por vez. Antes, deixava o Slack ou o WhatsApp aberto numa segunda tela, mas minha concentração ia sempre para o espaço.)
Dito isso, percebo que, por mais imperfeito que meu “sistema” seja, ele é o que funciona para mim — e que pensar no aplicativo perfeito, na rotina perfeita, no sistema perfeito é só mais uma forma de procrastinar.
Quero, contudo, simplificar e escolher melhor meus editores de texto. Todos eles tem suas vantagens e desvantagens, mas misturar as coisas é péssimo para quem tem uma memória ruim como a minha — é praticamente impossível encontrar alguma coisa depois.
Agora, como VOCÊ trabalha?
Escrever este texto me deu a ideia de conhecer como outras pessoas trabalham.
Sinto que todos temos os nossos próprios sistemas e que podemos aprender uns com os outros a trabalharmos melhor.
Se você quiser falar sobre o seu sistema e aparecer por aqui numa próxima edição, deixe um comentário aqui embaixo que eu vou entrar em contato com você.
Forte abraço,
Catapan
P.S.: Li em pouco menos de uma semana as quase 300 páginas de O Casamento, de Nelson Rodrigues. Impossível parar de ler.
P.S.2: Também terminei recentemente O Feérico Luar no Copacabana Palace, do Lord Ass (Alexandre Soares Silva). Não recomendo ler em público, contudo, você pode começar a (literalmente) chorar de tanto rir — como aconteceu comigo na sala de espera do dentista.
P.S.3: Comecei recentemente Vidas Secas, do Graciliano Ramos. Volto em breve com algumas linhas de impressões.
P.S.4: Terminamos de assistir à série Acima de Qualquer Suspeita, da Apple TV+. A série é envolvente e muito boa — até chegar nos minutos finais, que simplesmente envolvem de excremento tudo o que foi apresentado anteriormente. Só por isso, NÃO recomendo.
Muito bom o texto! Tenho de separar um tempo para responder com calma mas a porca torce o rabo quando se tem de trabalhar em homeoffice com filhos. Ainda estou me encontrando entre os sistemas de organização. Não trabalhar pelo celular, por exemplo, é URGENTE, mas muito, muito difícil.
Muito bom! É um alívio entender que esse sistema a gente vai criando e aprimorando com o tempo. Depois vamos apenas vendo as boas ideias e adaptando e não fazendo cópias idênticas daquilo que não cabe pra nós.