Terça-feira, 23 de abril de 2024.
Estou numa cafeteria dentro do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre — mais ou menos 600km distante de casa.
Estamos — eu e minha esposa — na cidade desde a manhã de sábado. Ela pediu licença do trabalho para uma consulta médica, eu simplesmente carreguei meu computador na mochila.
De certa forma, nestes dias estou vivendo o sonho da “liberdade geográfica” e trabalhando de qualquer lugar.
Ontem, meu escritório foi o Airbnb em que nos hospedamos. Hoje, a cafeteria do hospital. O nome é “Café Caliente” e o dono parece francês.
E, por melhor que isso seja (e não digo que não seja!), digo também que trabalhar assim é uma merda!
Trabalhar nesses ambientes parece coisa que só funciona em filme ou com gente que finge que trabalha (o que, parando para pensar, é a mesma coisa.)
(Talvez eu tenha comido a minha língua, pois no exato momento que escrevi estas linhas, fui chamado para fazer uma correção urgente em uma dezena de peças… e consegui.)
Mas acredito que meu ponto permanece:
Dificilmente um ambiente “hostil” será adequado para um trabalho mais “focado”, como diria o nosso guru Cal Newport.
Para pequenas correções, talvez funcione — acredito realmente que uma mudança visual oferece benefícios na hora de revisar um texto (este é um dos motivos pelos quais escrevo um primeiro rascunho num app — o iA Writer — e reviso o texto antes de publicar no próprio editor do Substack).
Mas, começar algo do zero? No meio de celulares tocando, vídeos de política altos demais, barulhos de xícaras batendo e cadeiras arrastando?
Não, muito obrigado. Isso continua sendo uma merda.
Destacar a importância do ambiente no trabalho — e, por que não, no trabalho criativo — não quer dizer, contudo, que exista um "ambiente ideal".
É claro que o YouTube está cheio de exemplos tentando me provar o contrário: mesas perfeitamente iluminadas por uma janela (e dois mega softboxes escondidos atrás das câmeras), cadernos cuidadosamente escritos, tudo milimetricamente espaçado.
A realidade, contudo, não funciona dessa maneira.
Eu já disse que não confio em alguém com uma mesa perfeitamente organizada. Se a mesa do escritor é o seu local de trabalho, durante a escrita ela PRECISA de uma certa dose de desorganização.
É no meio desse caos que a ordem interior aparece.
Aqui em Porto Alegre, visitei a Casa de Cultura Mario Quintana e, em exposição, há o quarto do escritor.
E alegro-me em reportar que era um perfeito caos ordenado. Livros e livros, quadros de musas nas paredes, cartelas de apostas, um inalador de ar… Tudo o que aquele homem precisava para viver (e escrever) estava por perto.
Se não me engano, Goethe escrevia em um quartinho pequeno, deitado em uma cama, com uma pequena mesa ao seu lado.
Pois bem: escrevi todas essas linhas para dizer que, apesar de aproveitar momentaneamente a liberdade geográfica que tanto vendem nos cursos, eu tenho é saudades da minha casa, do meu escritório, da minha mesa e, principalmente, da minha cadeira e do meu monitor.
É triste envelhecer e perceber como as aulas de ergonomia, tão monótonas para jovens de 20 ou 21 anos, são realmente fundamentais se estamos falando de produtividade.
Desculpe a ausência e nos vemos na semana que vem!
Um abraço,
Catapan
P.S.: Nas últimas semanas, li O Velho e o Mar (adorei) e comecei Por quem os sinos dobram. Já recomendo.
P.S.2: Não vi Shogun no STAR+ e possivelmente não verei. Ao que parece, muito barulho por nada.
P.S.3: Outro dia peguei exatos 1kg de cebola na verdureira e me senti o próprio Lisan al Gaib.
P.S.4: A Apple permitiu emuladores na App Store e sou o mais novo jogador de Pokémon Emerald do Brasil, com alguns anos de atraso.
P.S.5: A rivalidade Grêmio e Inter é realmente fora de série: está presente em todas as lojas, ruas, bombas e cuias de chimarrão de Porto Alegre. Nem mesmo a homilia na Catedral deixou de citar os dois times. Realmente surpreendente.
Ri alto do Lisan Al Ghaibi.